Esses jogos ousaram mudar totalmente de gênero

O anúncio de Metal Slug Tactics (Leikir Studio, TBA), jogo táctico baseado em turnos com elementos roguelite, ambientado no universo da franquia run and gun da SNK, põe sob os holofotes um promissor spin-off e faz lembrar que Metal Slug não é o primeiro (nem será o último) game a arriscar explorar um gênero totalmente diferente do que o que consolidou a série – inclusive, a mesma franquia já se arriscou no gênero tower defense com Metal Slug Defense (SNK, 2014) e Metal Slug Attack (SNK, 2016), ambos para dispositivos móveis.

Seja em forma de spin-off ou um mergulho profundo em que a sequência de um game muda completamente o rumo da franquia, inovações em game design, ideias mirabolantes ou simples poder de processamento permitem que muitos jogos se transformem e expandam seus horizontes, provando que um game concebido em um gênero não precisa, necessariamente, permanecer nele… e pode se tornar algo completamente novo!

Os jogos a seguir são alguns exemplos que abraçaram a mudança, se recusaram a repetir as mesmas fórmulas e ousaram explorar outros gêneros inteiramente novos:

Shovel Knight

Um dos mais populares indie games da última década, Shovel Knight (Yacht Club Games, 2014) é um jogo de plataforma com rolagem de tela, lançado originalmente para PC, Wii U e 3DS. A edição de 2019 Shovel Knight: Treasure Trove trouxe, além do jogo base e todas as suas expansões, também um novo modo multiplayer chamado Showdown, um interessante jogo de luta em plataforma onde até 4 jogadores se digladiam enquanto acumulam tesouros.

Showdown foi a primeira vez que a desenvolvedora experimentou Shovel Knight em outro gênero. Agora, mais recentemente, o cavaleiro com a pá e seus companheiros embarcaram em uma aventura ainda mais diferente, se arriscando no gênero puzzle com Shovel Knight Pocket Dungeon (Yacht Club Games, 2022), onde uma releitura inovadora dos quebra-cabeças com blocos (pense Tetris ou Candy Crush Saga) se mistura com elementos do dungeon crawler.


Warcraft

O primeiro jogo Warcraft: Orcs and Humans (Blizzard Entertainment, 1994) contava a história de uma colônia de humanos lutando contra exércitos de orcs invasores. O game de estratégia em tempo real e suas duas sequências são alguns dos mais amados e conceituados jogos da “era de ouro” dos RTS, e ajudaram a moldar o gênero como o conhecemos.

Mas seu escopo em nada se compara ao colossal World of Warcraft (Blizzard Entertainment, 2001-2004) o MMORPG ambientado no mesmo universo da trilogia original para PC. World of Warcraft é mais que um MMO, ele é “o” MMO – responsável por desenhar o modelo para todos que viriam a seguir, apresentando mecânicas como raids, instances e tagging e se tornando a maior referência no gênero. O game é tão culturalmente relevante que revolucionou a forma como as pessoas jogam on-line.

Vale mencionar: Warcraft Adventures

Em 1996, a Blizzard começou a trabalhar em um jogo que faria a ponte entre Warcraft II e Warcraft III. Intitulado Warcraft Adventures: Lord of the Clans, o jogo seria protagonizado por Thrall ainda jovem, muito antes de ele obter o lendário Martelo da Perdição e se tornar o Chefe da Horda.

Embora a franquia fosse de RTS, Warcraft Adventures teria explorado o território das aventuras point-and-click, recheado de humor e puzzles para resolver. Mas a developer cancelou o projeto. De acordo com o vice presidente da Blizzard na época, o motivo é que, quando o jogo fosse lançado (por volta de 1997-98) já estaria defasado.


Star Fox

O clássico Star Fox (Nintendo, 1993) deixou todos de queixo caído ao reinterpretar o gênero shoot’em up no Super Nintendo, trazendo-o para a terceira dimensão e com gráficos considerados inovadores para a época – graças a um chip especial que reforçava a performance do console. Sua sequência Star Fox 64 (Nintendo, 1997) aperfeiçoou o modelo, o enredo e os personagens, consolidando a franquia como um shmup adorado pelos fãs.

Inicialmente desenvolvida como uma IP totalmente nova, a sequência foi encaixada quase por “conveniência” no mundo de Star Fox, a pedido do próprio Shigeru Miyamoto, que notou uma forte semelhança entre o protagonista da sua série com o herói daquele novo jogo. Star Fox Adventures (Rare, 2002) tirou Fox McCloud do assento de sua Arwing e forçou-o a lutar em solo, explorando um novo mundo com perspectiva em terceira pessoa. Munido com um cajado, Fox deve enfrentar guerreiros dinossauros, coletar tesouros e itens, adquirir upgrades e resolver diversos quebra-cabeças a fim de avançar em sua jornada.

Vagar por um mundo habitado por dinossauros não tem muita relação com jogos de combate espacial, embora Fox use sua pequena aeronave pra viajar para diferentes áreas do planeta. As missões a pé apareceriam em mais uma sequência, Star Fox: Assault (Namco, 2005) antes de a Nintendo tomar a decisão correta de eliminar esse tipo de jogabilidade da franquia.


Fallout

O primeiro jogo da franquia Fallout: A Post Nuclear Role Playing Game (Interplay Productions, 1997) é um RPG de ação com combate por turnos, vista de cima para baixo e mundo aberto, inspirado no sistema de RPG de tabuleiro GURPS (Steve Jackson Games, 1985). Em sua aventura para substituir o chip responsável pela distribuição de água no Vault 13, o protagonista vai interagir com diversos NPCs que poderão atribuir missões paralelas, e enfrentar uma legião de mutantes.

Fallout: A Post Nuclear Role Playing Game

Foi somente no terceiro jogo Fallout 3 (Bethesda Game Studios, 2008) que houve a mudança para a perspectiva em primeira pessoa. Talvez em uma tentativa de encaixar a franquia no cenário AAA saturado de first person shooters, Fallout 3 abraçou a ação em primeira pessoa enquanto prestava homenagem às suas raízes com o sistema V.A.T.S., que incorpora uma camada de estratégia aos combates.

Apesar de a série ter vários outros títulos principais e spin-offs dentro dos gêneros já estabelecidos, foi lançado para iOS e Android o simulador Fallout Shelter (Bethesda Game Studios, 2015) com certeza o game que arriscou o gênero mais distante da essência da franquia, onde o jogador deve construir, ampliar e gerenciar seu próprio Vault, atribuindo funções aos habitantes do abrigo, produzindo recursos e enfrentando invasões inimigas.


Kid Icarus

Kid Icarus não passava de um par de joguinhos de plataforma 2D lançados para NES e Game Boy no final dos anos 80, que fizeram pouquíssimo barulho. Mas embora a série tenha ficado na geladeira por duas décadas, seu protagonista, Pit, ganhou o coração dos fãs com sua inclusão em Super Smash Bros. Brawl (Nintendo, 2008) para o Wii, o que lhe rendeu uma nova chance de estrelato.

Kid Icarus: Uprising (Nintendo, 2012) transformou a série de plataforma em uma mistura única de third-person shooter com shoot’em up, com fases tanto no ar quanto em terra. O jogo era tão distante – tanto em tempo entre lançamentos quanto em gênero – de seus antecessores que dá para perdoar quem achou que Kid Icarus: Uprising era uma IP totalmente nova da Nintendo.

Uprising foi recebido com muito boas críticas, serviu para aprofundar a narrativa deficiente da franquia, e viu jogadores se entusiasmarem com ela pela primeira vez depois de tanto tempo.


Dynasty Warriors

Até mesmo quem é muito fã de Dynasty Warriors talvez já tenha esquecido que a franquia começou como um jogo de luta 3D com combate baseado no uso de armas, em que o jogador deve desviar ou aparar os ataques do oponente, a fim de desorientá-lo e contra-atacar — algo parecido com Bushido Blade (Lightweight, 1997).

Dynasty Warriors vs. Dynasty Warriors 8

Dynasty Warriors 2 (Omega Force, 2000) tomou um rumo completamente diferente, deixando para trás o combate 1 vs. 1 para se arriscar no gênero hack and slash, colocando os protagonistas frente a gigantescos exércitos inimigos no campo de batalha. Desse jogo em diante, a franquia buscou reencenar, em cada novo título, batalhas do período dos Três Reinos, um período conturbado da história da China, passado entre os anos de 220 a 280.

Dado o sucesso da franquia – que até agora rendeu mais oito títulos e inúmeros spin-offs até com IPs de terceiros, como Gundam, The Legend of Zelda e One Piece –, sem mencionar a abundância de jogos de luta que apareceram na virada do milênio, fica claro que a decisão da developer de mudar totalmente de gênero foi certeira.

Vale mencionar: Dynasty Tactics

Acompanhando o sucesso de Dynasty Warriors, a publisher decidiu arriscar mais uma mudança de gênero com o lançamento de Dynasty Tactics (Koei, 2002) e sua sequência Dynasty Tactics 2 (Koei, 2003), ambos focados em estratégia com combate por turnos, ambientados também no período dos Três Reinos.


Dune

Uma clássica aventura point and click 2D com elementos de estratégia, baseada no romance de ficção científica homônimo escrito por Frank Herbert, em Dune (Cryo Interactive, 1992) o jogador assume o papel de Paul Atreides e deve supervisionar o desenvolvimento militar e econômico do planeta, entremeado a inúmeros diálogos com sua grande variedade de habitantes.

Apesar de publicado pela mesma empresa, a pseudo-sequência Dune II: The Building of a Dynasty (Westwood Studios, 1992) foi baseada no filme de 1984, dirigido por David Lynch. Diferente de seu irmão, Dune II é um jogo de estratégia em tempo real – aliás, um dos primeiros do gênero, introduzindo mecânicas usadas até hoje e influenciando clássicos como Age of Empires e Command & Conquer.


Halo

Halo: Combat Evolved (Bungie, 2001) e suas sequências compõe uma das franquias de first-person shooters mais populares e aclamadas de todos os tempos, que já se extende por duas décadas. Situada no século XXVI, a série Halo se concentra no conflito entre a raça humana e diversas espécies alienígenas.

Distante de suas raízes FPS, Halo Wars (Ensemble Studios, 2009) é um jogo de estratégia em tempo real, onde o jogador controla seu exército com uma visão panorâmica do campo de batalha, enquanto acumula recursos e amplia sua base. Halo Wars se passa, aproximadamente, 20 anos antes dos eventos de Combat Evolved, e gira em torno do combate entre os humanos e os Covenant.

Projetado especificamente para o controle do Xbox 360, Halo Wars se propôs a contornar os problemas presentes em outros jogos de real-time strategy no console da Microsoft. Bem avaliado pela crítica e pelos jogadores, recebeu, anos mais tarde, a sequência Halo Wars 2 (343 Industries, 2017) no qual a raça humana enfrenta os Banidos, uma violenta facção criminosa formada por ex-Covenant.


Wolfenstein

Um stealth shooter 2D lançado originalmente para o computador Apple II, Castle Wolfenstein (Muse Software, 1981) foi o primeiro game ambientado na Segunda Guerra Mundial. Com uma visão de cima para baixo, o jogador deve explorar mais de cinquenta telas geradas proceduralmente, capturando ou eliminando soldados sorrateiramente, a fim de roubar os planos secretos nazistas e escapar do castelo. Em sua jogabilidade, Castle Wolfenstein introduziu uma mecânica nunca vista nos video games: a furtividade, dando o primeiro passo para estabelecer o gênero stealth.

A sequência Wolfenstein 3D (id Software, 1992) tem pouca semelhança com o título original; embora mantenha o cenário da Segunda Guerra Mundial, todo o resto é diferente – incluindo a developer! E com todas as suas diferenças, Wolfenstein 3D representa um grande marco para o gênero first person shooter. Na verdade, o jogo é reconhecido como o primeiro FPS. O sucesso do jogo ajudou a desenvolver Doom (id Software, 1993) seu irmão mais novo, mais ambicioso, mais bem acabado e bem-sucedido que gerou uma série de imitadores e, fundamentalmente, consolidou o gênero FPS moderno.


Menção honrosa: Super Mario

Ok, eu vou forçar um pouco a barra aqui, mas é que não posso deixar passar! A série Super Mario (1985-2017), por si só, não se encaixa nesse post porque sempre teve jogos de plataforma, inclusive protagonizando a evolução natural do gênero do 2D para o ambiente 3D. Mas seu personagem-título é o Rei da troca de gêneros, tantas que dá pra fazer uma lista só dele:

  • RPG: Super Mario RPG: Legend of the Seven Stars (Square, 1996), as franquias Paper Mario (Intelligent Systems, 2000-2020) e Mario & Luigi (AlphaDream, 2003-2018);
  • Corrida: Mario Kart (1992-2020), a pièce de résistance, com certeza a franquia spin-off mais bem-sucedida do bigodudo e seus amigos;
  • Esportes: as franquias Mario Golf (Camelot Software Planning, 1999-2021), Mario Tennis (Camelot Software Planning, 1995-2018), Mario Strikers (Next Level Games, 2005-2022), Mario & Sonic at the Olympic Games (Sega, 2007-2020), Mario Super Sluggers (Bandai Namco, 2008), entre tantos outros;
  • Puzzle: Mario’s Picross (Jupiter Ape, 1995), as franquias Mario vs. Donkey Kong (Nintendo, 2004-2016) e Dr. Mario (Nintendo, 1990-2019), Hotel Mario (Fantasy Factory, 1994), entre outros;
  • Party game: toda a franquia Mario Party (Hudson Software/NDcube, 1998-2021);
  • Cassino: Mario’s Game Gallery (Presage Software Inc., 1995);
  • Artes: Mario Paint (Nintendo, 1992) e a série Mario Artist (1999-2000) para o 64DD;
  • Educativo: Mario Is Missing! (The Software Toolworks, 1993), Mario Teaches Typing (Interplay Entertainment, 1992), entre outros;
  • Pinball: Mario Pinball Land (Fuse Games, 2004);
  • Mais alguns outros…

O que você acha?